Que nem limão

Que nem limão

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Porque você (não) deveria fazer um mestrado (2)

No último post escrevi sobre algumas coisas que eu penso serem essenciais antes que você resolva tentar um mestrado. Eu fui insistente quanto a uma coisa: para que a experiência de mestrado não seja desastrosa, tem que ter muito desejo envolvido. Não basta querer ser professor, nem estar com o tempo livre e muito menos ver o mestrado como uma chance de ganhar mais. Essa coisa sobre o desejo se aplica a quase tudo que a gente se dispõe a fazer com seriedade. Poucas coisas são mais sérias que o nosso desejo. 

Fiquei de falar sobre o funcionamento das seleções e sobre isso já é preciso dizer logo: embora os sistemas sejam parecidos, cada um vai ter suas particularidades. Por isso, a melhor forma de entender quais são elas é ter boca para perguntar para quem já passou por uma seleção em determinado programa. De preferência, tente falar com pessoas que passaram no processo, porque essas sim vão conhecer melhor os meandros, dar dicas sobre os professores, provas, anteprojetos, etc. 

Antes de eu entrar no mestrado, reprovei em duas seleções (na verdade, duas e meia, mas isso fica pra outro post). A primeira foi na UFSC, e o que eu tirei dessa seleção foi a cara de oi? quando perguntaram se eu havia falado com a pessoa que eu gostaria que me orientasse. Minha resposta era não, porque eu não sabia que isso fazia parte do processo. Aliás, não necessariamente faz. Existem orientadores que não ficam nem um pouco felizes em receber um e-mail polido em que você afirma seu interesse em ser orientado por ele. Então, por que essa pergunta é tão frequente nessas situações?

Bom, ela é uma pergunta essencial para você saber se vale a pena investir. Você vai gastar com uma inscrição, viagens (que se tornam mais numerosas à medida que você avança no processo), impressão, encadernação, correios, cópias autenticadas e não autenticadas. Isso quer dizer que você pode ver a lista dos orientadores, pesquisar o lattes e decidir que Estrela do Olimpo é a melhor pessoa para te orientar. Mas quem garante que ele vai abrir vagas? E se ele não abrir, o que te faz acreditar que outro orientador que não foi sua primeira opção vai fazer de você a dele? Por isso, eu parto da premissa de que perguntar não ofende. Depois de ter reprovado em duas seleções (UFSC e UNESP), não tive dúvida antes de enviar um e-mail pro cara que eu queria que me orientasse:"Oi, Fulano. Meu nome é Angela, gostaria de fazer mestrado aí na UFPR, assisti uma aula sua e gostaria de colocar seu nome como opção de orientador. Você vai abrir vagas?"

Rápido e indolor. A resposta foi afirmativa e eu entrei no processo sabendo que havia uma probabilidade de eu passar pelo fato de ele oferecer vagas. Pode não dar certo esse esquema? Pode. Tentei uma seleção de doutorado na USP,  mandei um e-mail para a orientadora e ela disse que abriria uma vaga. Não abriu e eu não passei nem na prova. Posso ter feito uma prova ruim? Posso, mas não sou modesta a ponto de achar que não tiraria uma nota média. Minha hipótese é: a fia não abriu vagas e eles não iam continuar um processo que não daria em lugar nenhum. 

Outra dica que pode valer a pena é investigar quem são os atuais orientados do bendito. O lattes é uma excelente plataforma stalker. Se você quer mesmo descobrir que tipo de pessoa Estrela do Olimpo é, converse com os orientandos dele. Investigue. Descubra se ele tem o hábito de escolher alunos com quem trabalha desde a graduação, por exemplo. Descubra se ele costuma aceitar alunos de fora para participar de grupos de pesquisa, se ele impõe uma temática dele para ser pesquisada, se ele é um grandecíssimo pau no cu, enfim, são muitas perguntas e eu poderia escrever um texto só sobre elas. A questão é muito simples: a pós-graduação é um sistema fechado. Ninguém vai te chamar na porta feito garçom de restaurante de cidade turística. Você vai ter que bater e perguntar se pode entrar e praticamente todo mundo vai olhar pra você como se você não tivesse a menor importância. E adivinhe: você realmente não tem.

Jóia, fiz tudo isso aí. Debulhei o lattes da criatura, perguntei as coisas pros orientados, escrevi e-mail, enfim. E agora quais são as etapas oficiais? Quanto a elas os editais costumam dar conta das nossas dúvidas. Mas às vezes eles são mal feitos e a gente tem que esclarecer com o programa, colegas, enfim. Como já disse, os processos são semelhantes e vou falar sobre os que eu já fiz e as exigências que costumam ser padrão:

Proficiência em língua estrangeira

Em alguns programas você precisa atestar desde a inscrição que você possui. As universidades costumam promover provas antes de os processos começarem. Não necessariamente a prova precisa ser feita na própria universidade. Na seleção da UFMG, que fiz para doutorado, tive que ir pra lá pra fazer duas provas porque não aceitaram a proficiência do mestrado. O edital que vai te contar como funciona. As provas não costumam ser difíceis, mas se você tiver muita dificuldade, procure um curso instrumental, que é próprio para esse tipo de prova. A língua exigida também varia de programa para programa. Fiz o mestrado com proficiência em inglês e no doutorado (que exige duas línguas), atestei inglês e francês. Alguns programas deixam você atestar à medida que o curso ocorre, mas não todos. 

Prova escrita 

Essa é a parte que dá medo. Porque embora haja programas que indicam uma bibliografia básica no edital, outros te contam que você precisa ir com a cara e com a coragem. Fiz três provas e passei na terceira e nas três eu tive que fazer um projeto de pesquisa. Não é uma prova de concurso, mas uma em que você deve demonstrar se sabe o que é uma pesquisa. E podem acreditar que muita gente não tem nem ideia. Esses dias conversei com um cara que não entendia a diferença entre a metodologia da pesquisa que ele tava propondo e a metodologia do trabalho terapêutico que ele tava realizando. Não seja essa pessoa. Mas se você for e quiser muito ser mestre, estudar metodologia não tira pedaço. O que eu quero dizer é que se você tem que tirar um projeto da manga em uma prova em que você não terá bibliografia pra consulta, você vai ter que ter entendido muito bem como se faz um projeto. Lembra que chatas eram as aulas de metodologia de pesquisa e o quanto você achava que era só escrever umas coisas aí e boa? Então, você tava bem errado.

Anteprojeto de pesquisa (ou pré-projeto)

Não é uma exigência em todos os programas. Dos que eu fiz, um deles não pediu. O programa costuma indicar quais são os tópicos a serem abordados, mas não costuma ter muita variação. Se você teve aula de metodologia na faculdade (coisa que eu não tive), vai entender que todo projeto tem um objeto, objetivos, justificativa, metodologia, discussão teórica, considerações finais e referências bibliográficas. Claro que existem particularidades em se escrever um projeto. Em síntese, ele funciona como um plano e a banca quer saber se desse plano sairá uma dissertação de mestrado ou não. O projeto é uma parte importante da seleção porque indica organização, consistência teórica do candidato, os autores que ele lê, a forma como articula ideias e, sobretudo, se ele sabe juntar lé com cré na hora da escrita. Sério, ninguém aprende a escrever no mestrado. Você está tendo chances de aprender a escrever desde quando o objeto da escrita era o que você tinha feito nas férias. A escrita acadêmica no mestrado tem um grande nível de dificuldade e tem o objetivo de te tornar autoral. Nenhum orientador vai sentar com você e te ensinar a escrever. Se você acharia lindo ter uma dissertação com seu nome mas não aprendeu ainda a escrita acadêmica, se mexa: leia artigos, teses e dissertações. Leia de novo e de novo. Treine fazendo resenhas. Escrita é prática, é desenho livre e não pintar as linhas pontilhadas. Não tem linha pontilhada. Ninguém vai colocar lá pra você.

Entrevista

Depois de aprovado nas duas etapas anteriores, é muito provável que você seja chamado para uma banca de entrevista. O grande objetivo dessa banca é te conhecer melhor. Eles já acharam que teu projeto valia uma meia hora deles, então agora faça o favor de defender o dito cujo. Se você tava achando difícil escrever, essa é a hora de sustentar a tua escrita no gogó. Mostrar que você realmente leu e entendeu os autores, que tua ideia tá bem construída e que você sabe exatamente de qual caminhão você caiu. Na entrevista eles querem saber se você terá comprometimento, a quantas anda sua vida profissional, se você vai abandonar o barco se aparecer coisa melhor, se você precisa de bolsa ou se deixará o mestrado se a bolsa não chegar. Eles querem saber porque caralhos você quer ser mestre. Basicamente: dá pra gente confiar que você não vai diminuir a nota desse programa desistindo? Pois é, os programas estão vinculados à CAPES, que é um órgão regulador bem rígido e que pontua os programas a partir de produção, cumprimento de prazos, etc. É por isso que muito orientador só aceita quem conhece. Eles não querem colocar o deles na reta. Mas se você passou na entrevista sem você ser conhecido, deve ser porque você tinha outras credenciais, como ter terminado uma monografia em uma especialização ou na graduação; ter feito iniciação científica ou monitoria; ter participado na organização de eventos dentro das instituições por onde já passou. No meu caso, eu marquei X em todas essas opções e ainda contava com uma bem importante: eu era professora há dois anos no ensino superior. Posso dizer que a melhor coisa que me aconteceu foi eu ter trabalhado antes de entrar no mestrado.

Concluindo, você pode não concordar com isso tudo que eu disse. Mas se for o caso, só posso lamentar, porque os programas não estão muito interessados com sua concordância sobre o modo de funcionamento das coisas. Como eu já disse, num processo árduo de escrita, as pessoas desistem. Os programas precisam se resguardar de algum modo e escolher pessoas que eles conhecem pode ser uma saída fácil. Mas se você não é conhecido, você pode se tornar. Solicitar junto à secretaria para ser aluno especial, pedir para participar de grupos de pesquisa e realmente se dedicar. Assim você se torna uma pessoa confiável. Se juntar à isso uma capacidade de articulação teórica e escrita, você tem boas chances. Caso você não queira fazer nada disso, resta ainda uma opção: seja excepcional. 

É mais fácil ser excepcional ou dançar conforme a música?

Foi o que eu pensei.

3 comentários:

  1. Eu passei no mestrado de Teoria Literária da USP e me identifiquei com seu texto. Só gostaria de citar um "porém": comecei como aluna especial de outro programa. E, embora as pessoas dissessem que eu deveria procurar um orientador do programa de Teoria Literária eu sinceramente nos sabia qual professor procurar. Bom, fui stalker hahahahahah do Lattes de alguns e escolhi uns três para mandar e-mail (isso já na terceira fase, ou seja, estava aguardando o resultado da entrega do projeto). Redultado: uma me ignorou e nem respondeu, uma respondeu que eu deveria aguardar o resultado. O terceiro, para o qual mandei email depois do resultado positivo do projeto, foi muito, mas muito mal educado comigo. Disse-me que sabia qual era meu projeto, que não havia gostado dele e que nao tinha o menor interesse em orientá-lo mas que se ele passou era porque alguém havia gostado dele (engoli aquilo a seco, fiquei triste, mas me segurei ao fato que alguém tinha gostado.) Na arguicao fui no esquema matar ou morrer e acabou dando certo. Pq? Bom, o professor gostou do fato de ser um projeto que fugia um pouco dos temas que eram propostos. Ou seja, ele escolheu o projeto, não fui eu que escolhi o orientador. No meu programa, caso o orientador preterido não fosse o ideal, o programa indicaria outro, mas sei que nem todos são assim. O que tiro disso é que quem quer fazer um mestrado deve se esforçar muito para fazer boas provas de proficiência e específica, como você disse, deve escrever um bom projeto, estar preparado para a arguição, mas sem esquecer de escrever sobre o que gosta. No meu caso, meu tema envolve o gênero canção. Saiu um pouco dos Machados, Clarices, Bandeiras (que são maravilhosos eu sei!!) Enfim, Boa sorte a todos e se há algum erro a culpa é do celular :-)

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  2. Gostei bastante do texto e dos comentários, vejo que os processos seletivos em todo Brasil são difíceis e com problemas. Ano passado tentei mestrado aqui na minha cidade, em Santarém/PA, fui bem no projeto e na entrevista, mas o currículo puxou minha nota para baixo, minhas publicações são de cinco anos atrás, quando me formei, depois disso só trabalhando, a parte acadêmica ficou a desejar. Ainda assim, fui classificado em 9º colocado e eram oito vagas. No início do ano agora, que eram as matrículas, uma pessoa desistiu e o que aconteceu? Não me convocaram e não deram motivos para isso. Infelizmente, concordo com vários comentários aqui sobre panelas nas universidades, isso existe sim, mas sobram vagas para disputa livre, tanto é que fiquei classificado e teria total condição para assumir a vaga da desistente, mas os coordenadores de curso, membros de comissão, acabam por deliberar os atos independente do projeto de vida de quem tenta cursar pós-graduação. Muitas vezes, aquele aluno que ele queria muito no curso, entra, faz o mestrado inteiro e no final, não publica nada! Gasta o dinheiro do projeto, da bolsa e o retorno é zero.

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  3. Acabei de ser desclassificada de um programa de mestrado e ao menos sei onde errei, já curso um mestrado de Ciências da Educação no Paraguai e gosto muito do programa, fico chateada das poucas oportunidades que temos em nosso próprio país, vejo críticas referente a pessoas que formam em países vizinhos, por experiência própria posso dizer que inúmeras injustiças acontecem com quem de fato querem fazer sua pós a nível stricto sensu, infelizmente as chances são quase nulas para pessoas que se formaram fora de uma universidade pública e que não tem contato com professores das instituições.

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