Que nem limão

Que nem limão

quinta-feira, 19 de março de 2015

Certeza, esse lugar quentinho.

Outro dia eu contava sobre como olho para a pessoa que fui com certa indulgência. Não faço isso pela necessidade de ser perdoada (nem que seja por mim mesma), mas como resultado de uma constatação nada inédita de que somos vários no decorrer da vida. E entre essas várias de mim, já houve uma reacionária.

Já houve uma de mim que, como uma criança pré-operatória, abria pouco espaço para discussão e se abraçava forte nas certezas. Aliás, essa de mim que fala hoje gosta de definir as certezas como um lugar quentinho. E todo mundo sabe que um lugar quentinho é uma das coisas boas dessa vida, a gente se enrodilha, sente-se confortável e pode ficar ali por muito tempo, talvez por tempo demais.

Eu queria ser uma dessas pessoas que aproveitou a faculdade para conhecer lugares em que habitam ideias diferentes daquelas a partir das quais me constituí. Lembro de poucas vezes ter refletido sobre coisas que, diariamente, vejo as minhas alunas e os meus alunos se questionando. E só minha capacidade de ser indulgente com aquela outra de mim é que me permite não me envergonhar. Talvez fossem outros tempos e essas discussões não me alcançaram lá atrás pela pouca visibilidade que elas tinham. Meu medo é elas estivessem ao redor e eu tenha escolhido olhar para o outro lado (possivelmente para o meu próprio lado).

Talvez por isso (pensando na formação que eu tive) que eu tomo sala de aula como espaço de diálogo. Isso significa que posição de mestria pode ser importante para muita coisa, como o ensino do conteúdo, a confiança que a classe deposita em você, a importância que a disciplina adquire. Mas existe um lado da posição de mestria que eu posso chamar de interesseiro.

Deve ser por isso que me interessa muito o questionamento sobre o desejo de ser professor. Uma vez eu li em um autor que pesquisa sobre esse tema que o professor que escolhe essa profissão por desejo é um pagador de uma dívida. Ele ensina para pagar ao professor de seu passado que lhe ofereceu algo que ele considerou precioso. E que essa seria a forma sublimada deste desejo. É bonito e eu gosto de pensar que meu desejo vai por essa via, mas sei que é pretencioso eu dizer isso, por isso me desculpo.

Mas existe algo atrelado a este lugar que é ocupá-lo pelo lugar na mestria que situa professor e aluno numa linha vertical e que não permite grandes questionamentos. Aí o professor faz um determinado tipo que pode ir do durão incapaz de empatia com o aluno ao sedutor compreensivo. E nesse intervalo acho que existem vários outros tipos. Mas eu estou apenas delirando. E tem gente ao meu redor que se dedica a pesquisar de verdade sobre essa relação e que faz isso muito bem. 

Mas neste espaço que é meu blog, me é permitido delirar. Sou inclusive permitida a explorar meus pensamentos e preconceitos desde que estes não atinjam de forma ofensiva as outras pessoas. Na sala de aula eu não posso delirar e minhas divagações não cabem. A vida toda eu ouvi que se você não tem nada de bom para dizer, é melhor ficar quieto. Vou modificar essa frase: se você não tem nada a dizer que seja minimamente embasado por fatos e teorias que não as do facebook, fale a respeito em outro lugar. Sala de aula não deve servir para disseminar preconceitos.

2 comentários:

  1. Feliz aquele que consegue se libertar do "lugar quentinho", abrindo a mente para reflexão (mesmo que volte para o lugar quentinho depois de muito pensar/ouvir/debater). Adorei o texto, Gê!

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  2. A primeira frase do texto me fez pensar o quanto é importante saber perdoar quem a gente foi. Saber olhar praquela pessoa e ver que ela aprendeu.

    Lindo texto, pra variar :*

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