Que nem limão

Que nem limão

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Minha existência é narrativa

O riso é sempre de espanto e a surpresa genuína. Faltam recursos para entender as batalhas que alguns defendem. 

Das que mais intrigam, posso falar sobre a luta árdua e exigente que é a tentativa de eliminar o que nos antecede. 

Há quem não suporte saber das pré-histórias. Eu já sou do tipo que gosto delas. Gosto de ouvir como quem olha um álbum de alguns anos antes e se surpreende com aquela cor de cabelo, com o peso pra mais ou pra menos, com a roupa esquisita.

Não posso dizer que sempre lidei assim com os antecedentes, mas nunca imaginei ser possível destruir o que passou na vida de alguém.

Quando olho pra trás, não me reconheço por completo. Sinto saudade de parte de mim. Chego a ser quase indulgente com quem fui. Me pego dizendo que aquela está em outro lugar, como numa pintura em que as bruxas do tempo e da experiência a encerraram, como no filme que eu tinha medo quando era criança.

Hoje eu me esforço em ver que a pintura se renova, mas que eu sempre posso lembrar e contar como ela foi se construindo. O nome disso é narrativa. Ela é feita não só de palavras.

A gente faz o maior esforço para ser material. Para ser um corpo na vida das pessoas. Para poder, literalmente, sair na foto e comprovar nossa existência naquela história.

Mas há quem se esforce em acabar com isso, em jogar no lixo aquilo que há de material numa existência. 

Se rio disso, juro que não é por me sentir segura do lugar que ocupo. Ao contrário, às vezes choro até dormir me questionando sobre esse lugar. Se rio, se me espanto e surpreendo é pela tentativa de atacar a materialidade, quando a narrativa é infinita e inalcançável.

Existimos sempre que alguém lembrar de uma história que a gente contou ou da qual a gente fez parte. A muralha da China não é capaz de destruir nossa existência na narrativa do outro. E a vida é curta pra gastar tanta energia com isso.

Um comentário:

  1. Angela, linda! Adorei seu texto...
    Eu mesma coleciono várias fotografias com partes das quais sinto saudades...
    E sei que ando por um caminho em que colecionarei muitas mais!

    Grande beijo!

    ResponderExcluir