Que nem limão

Que nem limão

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Sobre cansaço.

Hoje vou escrever um pouco sobre o que não entendo, embora esse seja um objetivo para alguém que está querendo escrever uma tese de doutorado que envolve questões políticas (mesmo que não se trate especificamente dessa partidária, não pode estar totalmente separada dela). Arrisco conversar sobre isso com algumas pessoas, aquelas que eu sei que tem um pensamento mais parecido com o meu. E isso não significa que eu não sei discutir a questão, isso só significa que eu não quero, e se não quero é porque entendi que não há argumentos que vençam a vontade de permanecer ignorante.

Ontem eu fui fazer unha e uma das manicures fez um comentário padrão sobre Deus estar derrubando os políticos e como seria bom se a Dilma entrasse num jatinho e ele caísse. Hoje, na hora do almoço, fiz um comentário sobre meu cartão de débito (que é da Caixa Econômica Federal) não ser com chip, e ouvi que a Caixa, como o governo PT, era contra avanços. Nas duas situações eu fiquei quieta, de novo, por saber que eu não teria tempo e nem a capacidade de fazer mover algum tipo de reflexão com os meus argumentos. É porque os meus argumentos teriam que ser capazes de desconstruir uma lógica que está enraizada. Uma lógica que acredita piamente que alguns "direitos" são devidos ao merecimento. O que essas pessoas não sabem é que, em muitas situações, os tais direitos são, na verdade, privilégios.

O problema dos privilégios é que eles são restritos. E é por isso que desde que eu soube alguma coisa (mínima) sobre a organização do Estado, eu penso que se é um Estado de Direito, nós precisamos acabar com alguns privilégios. É por isso que eu não consigo entender como os últimos doze anos foram assim tão ruins. As pessoas ao meu redor, mesmo aquelas que já contavam com vários privilégios, adquiriram mais bens, alcançaram determinado status social através da educação, viajaram para fora do país (e não só pro Paraguai) e costumam confraternizar falando mal do governo enquanto no fim do mês pagam seus boletos de habitação com juro reduzido. Compraram seus carros sem IPI, empregaram mais pessoas em suas empresas. Pagam mais impostos? É possível que sim. Mas como mesmo que uma máquina pública pode funcionar sem eles? Só que não entendo de impostos. Meu pai faz meu imposto de renda. Só que todo ano eu lembro de uma coisa que uma vez li no twitter de uma amiga: se você tem mais de 22 anos, trabalha e ainda não paga imposto de renda, tem alguma coisa muito errada. Imposto de renda significa que você usufrui de alguns direitos, e deve retornar parte dos seus ganhos ao país para que seus direitos sejam garantidos.

Enfim, a questão é que eu votei na Marina nas últimas eleições. Eu queria que Marina fosse para o segundo turno, mas ela não foi. E então, votei na Dilma. Isso não faz de mim uma partidária da Dilma. A Marina, para mim, significava um tipo de mudança que eu julguei ter sido positiva nos oito anos do governo Lula. No segundo turno o meu argumento foi: mais direitos, menos privilégios. Eu percebo que o maior ranço em relação aos críticos do governo PT (por trás do blábláblá, corrupção, blábláblá, mensalão, blábláblá, bolsa vagabundo) é perceber que quanto mais direitos forem conquistados, menos privilégios existirão.

Eu queria votar na Marina nessas eleições. Eu fiquei puta com o passo para trás que ela deu em relação aos direitos LGBT. E duvido que seja alguma novidade quais são meus posicionamentos em relação à essa causa. Ou em relação ao aborto. Meu posicionamento é que esses dois assuntos pertencem ao foro pessoal. E que não deveria ter que existir uma discussão num nível legal quanto às decisões que afetam a vida das pessoas sem interferir na vida das outras. Isso significa que se seus vizinhos gays se casarem, nada na sua vida necessariamente mudará. Pode mudar pra melhor se você decidir olhar para eles pela perspectiva humana, nossa, isso deixa o dia da gente bem melhor. Mas caso você não queira sair desse teu lugar quentinho, beleza, tudo fica igual.

A mesma coisa em relação ao aborto. A descriminalização e a legalização não vão obrigar ninguém a abortar. Também não vai virar método contraceptivo porque fazer aborto não é a coisa mais divertida do mundo, acreditem. E quanto à vida do feto, a gente entra numa discussão que, tal qual se Deus acha certo ou errado gays e lésbicas se casarem, deveria muito permanecer no foro pessoal. Porque enquanto ele está dentro do corpo de uma mulher, ela é livre para decidir como proceder (e eu penso a mesma coisa em relação à eutanásia, diga-se de passagem).

É por essa mesma razão que me irrita o argumento de não votar em Marina porque ela é evangélica. Ela ser evangélica só passa a ser um obstáculo se isso interferir nos direitos íntimos relativos à liberdade das pessoas. Ser evangélica não pode ser o argumento a priori, é foro pessoal dela. Há que se pensar se vai haver desdobramentos em relação a isso. E se houver (como parece estar havendo), meu posicionamento é não votar nela. Só queria que a gente fosse capaz de entender que a força que a religião tem em nossa vida não é apenas política. Ela é formadora da nossa sociedade e poderá deixar de ser se houver mais respeito inclusive dos ateus/agnósticos aos crentes (que para mim é aquele que crê e professa a fé, sem impô-la). Claro que a recíproca deverá ser verdadeira.

O que Marina tem que a Luciana Genro não tem? Possibilidade de ganhar. Ela também tem mais apoio, assim como a Dilma. A questão aqui é: que tipo de apoio. Por isso, estou desconsolada. Acredito que para essas causas que me são caras virarem pauta de forma séria (legalização e descriminalização do aborto e casamento civil homoafetivo) é preciso ampliar as bases de discussão. É preciso fazer um trabalho que a gente faz todo dia quanto tenta quebrar alguns paradigmas. É dessa tentativa que a gente não pode cansar.

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