Que nem limão

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sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Porque eu não discuto a questão do aborto

Porque as bases utilizadas para essa argumentação são extremamente contraditórias. Não faz o menor sentido eu falar em liberdade em relação ao corpo feminino se a base da qual o interlocutor parte tem como um de seus pilares fundamentais que essa liberdade não existe.

Isso não significa que eu não fale sobre aborto. Veja, a palavra que eu usei foi: discutir. Discutir no sentido raivoso da palavra, no sentido "eu falo, mas enquanto você responde, eu fecho meus ouvidos e cantarolo lálálálá". Assim como você fechará os seus enquanto eu estiver falando. É que nesse tipo de relaçao não existe abertura e, compreendendo que não existe abertura, eu acabo atacando o outro.

Para os que são a favor da descriminalização do aborto: vocês não acham ofensivo dizer que as pessoas pró-vida cagam e andam para as crianças abandonadas? Eu fico pensando que tipo de abertura vocês inauguram quando a base de seus argumentos é essa. Aliás, esse argumento é problemático pelas mesmas razões que o argumento de que pais gays adotam filhos abandonados de héteros é doído: é bem consolatório. 

Para os que são contra a descriminalização do aborto: vocês não acham ofensivo dizer que as pessoas que são a favor da descriminalização do aborto cagam e andam para vidas inocentes; ou ainda que demonizar a sexualidade feminina também é uma forma de fechar o diálogo? E que partir do princípio de que suas crenças devem ser gerais é ilusório?

O que é um debate?

Pessoas reunidas em uma mesa apresentando argumentos iguais, com os quais concordam e se parabenizando por isso no final?

Não.

Debater o aborto é estar aberto a ouvir. Se você pensa que ouvir não é preciso, então, o que você quer é que seu ponto de vista seja validado e pronto. E o nome disso é imposição. E veja, essa imposição está marcada nas falas em ambos os lados da discussão, mesmo que um deles diga que ninguém será obrigado a abortar. Ao dizer isso, ignoramos que as questões aqui delineadas incidem sobre dois significantes: poder e liberdade. E essas duas palavrinhas transitam com uma facilidade muito grande nos reinos do bem e do mal. O que é bem e mal e nessa história vai sempre depender de qual lado se fala. 

Fala-se que se houver um plebiscito no Brasil, a descriminalização do aborto sofreria um verdadeiro 7x1. Se isso for verdade (e eu acredito que é), o que fazer? Pedir perdão ao bem maior por essa entidade denominada coletividade dizendo que ela não sabe o que faz? E se ela não sabe, eu posso ensinar ou dominar?

Vocês percebem para onde caminhamos com facilidade nessa lógica argumentativa? Bem, eu não vou dizer aqui para onde é porque eu espero que meu texto já tenha sido claro em ligar lé com cré.

E por fim, algo que venho dizendo há algum tempo: nunca consegui provocar nenhuma reflexão e eventual mudança subjetiva em relação aos temas sobre os quais me engajo chamando meu interlocutor de burro, ignorante, carola ou qualquer uma dessas coisas. Sigo me recusando a fazer isso quando o tema é a descriminalização do aborto (sobre o qual sou a favor, caso os incautos estejam duvidando, já que talvez tenham dificuldade em situar o lugar que eu ocupo e a posição que eu afirmo, já que eu procuro construi-la longe dos extremos).

Vamos debater o aborto. Mas vamos chamar gente que seja contra e gente que seja a favor. Senão, não é debate. É punheta intelectual/espiritual.

Um comentário:

  1. Sobre aborto (matar alguém) não discuto mais, vez que não há nada de polêmico, delicado ou complexo!
    Discussão civilizada, respeitosa e sadia com um apologista do assassinato de inocentes? Como discutir o absurdo, drenando a racionalidade?

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