Eu não treto mais

Eu tava num restaurante com amigas com quem eu não conversava há um tempão. Em algum momento a conversa tomou um rumo chegando a uma postagem de uma delas sobre um assunto polêmico, em que alguém fez um comentário com o qual eu não concordava. Contei que eu cheguei a começar a responder àquele comentário. Mas aí parei no meio e pensei: "Eu não treto mais". Quando eu disse isso, elas riram, acostumadas que eram comigo tretando o tempo todo. 

Eu nunca tinha falado isso em voz alta. Claro que eu já tinha percebido uma diminuição dos meus movimentos em direção à importância que eu dava para a minha opinião no facebook. Começou a funcionar mais ou menos assim: eu me incomodava com algum assunto, entrava na timeline e começava a ler o que as pessoas estavam dizendo sobre aquilo. Aí eu era invadida por um pensamento que poderia ser brevemente resumido em um grande "PRA QUÊ?".

Quando eu tentei responder a sério essa pergunta cheguei a conclusão que postar um texto no facebook não serve para discutir, pelo menos não no sentido que essa palavra encerra no dicionário: "2. exame minucioso (de um assunto, problema etc.), levantando-se os prós e os contras". 

E por que eu entendi que eu não estava a fim de discutir? Porque eu tinha, sistematicamente, deixado de seguir as pessoas que poderiam me apresentar argumentos contrários aos meus. E eu tinha feito isso porque eu ficava com raiva do que elas escreviam. E sei a que a recíproca foi verdadeira com algumas delas. 

Aí eu pergunto: há alguma possibilidade de discussão quando eu sinto raiva do meu interlocutor? Há alguma chance de uma conversa ser produtiva quando o objetivo daquilo que você fala é lacrar? O que é lacrar senão colocar um ponto final na comunicação e que, em síntese, quer dizer: olha como você é burro, interlocutor.

Toda essa longa introdução para dizer que a votação na câmara dos deputados de ontem me causou algumas surpresas:

1. Quando um deputado vota em nome de Deus, da família, dos médicos, dos corretores de seguro e manda parabéns para a netinha que está fazendo aniversário, por que você se espanta? A menos que você tenha chegado de um outro país em que existe alguma seriedade no campo da política, há duas coisas que não deveriam ser novidade pra você: 

A) Que nossos representantes falam como falam os eleitores deles. Tornar-se uma liderança política tem a ver com o nível de identificação que você desperta no eleitor. Aliás, uma parte que me cabe (pois voltei no PT nas últimas eleições para prefeito e presidente da república), é que eu não me senti mais orgulhosa dos deputados aliados que votaram pelos trabalhadores, pelos quilombolas, por Luis Carlos Prestes e por Tancredo Neves. Por que falar sobre eles tem mais a ver com o assunto do impeachment do que falar sobre Deus, Família e a neta? Se você me responder que é porque esses assuntos são sérios eu vou ter que dizer que eles também não estão diretamente relacionados com a matéria em questão que era: a Dilma cometeu ou não cometeu crime?

B) Que nossos representantes falam como o sujo fala do mal lavado: desde que a história do impeachment começou o que eu mais escuto é as pessoas fazerem dois pesos e duas medidas para tudo. Exemplo: a tentativa de nomear Lula ministro. Eu senti tanta vergonha disso que o que eu não conseguia era entender como era possível colocar esse assunto na balança sem ver que o argumento "mas os outros políticos que também cometeram atos de corrupção não estão sendo investigados" era insano. Então, é isso? É como quando a gente é criança e, de repente, alguém decide começar tudo de novo a brincadeira só porque está perdendo? E que todas as regras quebradas antes não valem mais a partir de agora? Não tem cabimento.

2. Professores universitários cobrando posicionamentos dos alunos que fazem PROUNI ou Universidade pública achando o fim da picada os alunos se posicionarem a favor do impeachment. Então, quer dizer que, aqui no Paraná, nós todos devemos ser eternamente gratos ao Álvaro Dias, responsável pela estatização das faculdades que existiam no estado e que até então eram privadas? Devemos desconsiderar 88?

3. Discursos do tipo perdemos/ganhamos: quando eu vejo isso me pergunto: e começamos a perder quando? Quando confiamos que essa gestão não seria um governo com todas as características de um PSDB com a diferença é que o PSDB conseguiria governar, pois teria apoio? Ou perdemos desde que a primeira coligação foi feita e tivemos que nos contentar com todas as nossas "pautas de esquerda" serem ignoradas pelo governo que elegemos (porque quando você acende uma vela para cada santo passa a vida pagando promessa). E para quem acha que ganhou alguma coisa ontem, eu queria sentar e conversar bem de pertinho: o que você ganhou? A discussão com seu colega de trabalho? O gostinho de ver a presidente que você odeia desmoralizada? O que vai acontecer agora? Sem entrar naquele papinho de "nossa, agora o dólar caiu a 1 real", esse dia seguinte não promete outra coisa senão angústia: não sabemos o que vai acontecer. Não ganhamos nada com isso e não sabemos se vamos vir a ganhar. O tempo dirá. Mas, por ora, ganhamos apenas a antipatia das pessoas que convivem com a gente.

4. Com o discurso de traição da base governista: falar em traição é a mesma coisa que dizer que você vai sair rapidinho ali na chuva mas não vai se molhar. Ninguém tava desavisado ali, gente. Desavisados somos nós. 

Depois de passar uma noite vendo a votação em silêncio, tanto aqui na minha casa como no facebook, continuo sem boas conclusões. Acho que a ideia Temer e Cunha é bem ruim. Também penso que é inocência pensar que vamos conseguir eleições esse ano e tentar deter que eles assumam as posições de presidente e vice. Não acho que as pessoas que foram às ruas são as culpadas por isso ter acontecido. Acho que elas foram um bom pretexto. E deixarão de ser a partir de agora. 

Se você me perguntar como eu votaria, eu diria que votaria em não. Mas eu sou incapaz de julgar negativamente quem votaria em sim. Pode carimbar o isentona aqui na minha testa. Manda fazer o avatar que eu coloco.