Que nem limão

Que nem limão

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Uma justiça

Uma vez, na faculdade, um professor me ouviu falando de Guarapuava. Então ele disse: "Você sabe qual é o nome daquele viaduto na entrada da cidade? Viaduto do progresso. O guarapuavano sobe no viaduto e fica olhando o progresso ir pra Cascavel, ir pra Curitiba e nunca parar em Guarapuava".

Até hoje me sinto ofendida com essa fala porque eu gosto da minha cidade. E quando a gente gosta de algo e se identifica de alguma maneira, a reação é afetiva mesmo. Por isso eu resolvi escrever sobre o julgamento do Carli Filho. Que é Filho do pai dele, mas também de alguns costumes que as pessoas acham que são tipicamente guarapuavanos, e eu penso que são tipicamente brasileiros.

Carli é um nome pesado em Guarapuava e, como ele, há outros. Por isso, é comum as pessoas perguntarem de que família você é. Eu, que sou da Silva, nunca consegui explicar dos "qualé" que eu sou.  Conheço e convivo com gente que tem uma vinculação forte com os sobrenomes, assim como conheço e convivo com gente que se sente orgulhosa de falar o nome completo...dos outros. 

Então é verdade que quando o Carli filho causou uma situação trágica porque quis beber,  porque quis dirigir bêbado, e porque quis acelerar demais, eu vi e ouvi defesas em relação a ele. Fora da esfera guarapuavana, sobretudo Curitiba, o que presenciei foi a revolta e o sentimento de que ele tem que ser punido. E na minha opinião, as pessoas que clamam pela justiça e as que acham que não é pra tanto partem do mesmo argumento.

Li hoje uma notícia em que um amigo do ex-deputado disse o seguinte: "O Nando não merece isso que tá acontecendo com ele". Me dá uma meia hora e eu consigo encher um auditório em Guarapuava que concorda com essa fala. No twitter acompanhei a revolta de várias pessoas em relação aos recursos, ao tempo que esse julgamento levou para acontecer, ao fato de ele ter espalhado pela cidade outdoors agradecendo pela vida. Vejam, o que aproxima o amigo do "Nando" dessas pessoas é que ambos os lados não levam em consideração apenas o crime.

O Direito e a justiça existem com um objetivo muito específico: manter a sociedade minimamente organizada. Existe juiz porque quando um crime é cometido e um processo é aberto não é o ofendido e nem seus amigos que deverão julgar o que aconteceu. Porque, a partir do momento em que o Direito entra, em tese, o afeto sai. Não são as mães dos jovens que morreram que serão beneficiadas particularmente pela justiça, mas toda a sociedade que é lesada quando, apesar de um limite de velocidade, uma pessoa decide que pode ultrapassá-lo. 

Então, quando eu ouço "a justiça será feita", eu fico me perguntando se a nossa justiça será capaz de aplacar a raiva.  Eu ainda não sei, porque a decisão ainda não saiu. Mas eu tenho uma aposta: a condenação por homicídio doloso, se houver, pode até satisfazer, mas dificilmente a pena vai ter o mesmo efeito, porque a sensação sempre será que ele merecia mais.

Veja, chegamos no ponto em que o argumento do amigo e dos inimigos se encontram: merecimento. Os que são contra e os que são a favor entram na dimensão do mérito. Eu espero que, se um dia, eu enfrentar um processo criminal, meus amigos pensem que eu não mereço a possível exposição e retaliação pública. Eu também espero que minha mãe se compadeça de mim. Mas eu devo também esperar que os que não tem nada a ver comigo não tenham essa mesma reação. 

Quando Carli Filho é processado por matar dois jovens ele sabe que ele está ferrado porque sabe vão olhar para esse julgamento por ele ser quem é. Não como pessoa, mas como posição. Quando ele enfrenta um juri ele carrega consigo todos os outros que, Brasil afora, também tem um sobrenome poderoso e que não foram julgados do mesmo modo. Se o amigo dele me perguntar se isso é justo, eu vou responder que tudo nessa vida tem prós e contras. E ele está lidando com os contras. A condenação dele, de certa forma, faria sossegar os ânimos mais primitivos em relação a uma justiça que, no fundo, se chama vingança. 

Dizer: "isso poderia acontecer comigo", serve para os dois lados, para quem matou e para quem morreu. Por isso, eu gostaria que ele fosse condenado por homicídio doloso, porque eu gosto de imaginar que isso diminuiria as chances de eu morrer decapitada por um carro. 

Um comentário:

  1. Um texto emotico-empírico que nos transporta para o âmbito da contenda... Parabéns pela exposição...

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