Que nem limão

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terça-feira, 6 de outubro de 2015

Escritas e falas sintomáticas

"É preciso escrever para inventar constantemente a ilusão. Escrever é também de certo modo, recursar ao pensamento a seriedade dos sistemas e permitir assim a livre circulação dos fantasmas [...] Somente a escrita tem o poder de denunciar o saber e de fazer aflorar no texto a vida pulsional do pensamento [...] A superfície produzida no ato de escrever é a da pele: a escrita é uma zona erógena" (Pierre Fédida)

Comecei a escrever na internet há dez anos e essa frase iniciava a minha primeira postagem. Era a única postagem pública de uma época em que eu escrevia muito. Se não todos os dias, pelo menos umas três vezes na semana. As pessoas gostavam do que eu escrevia, embora eu hoje não me reconheça mais naquelas palavras. 

Desde que eu mudei pro blogger, nunca mais me senti livre pra escrever sobre minhas coisas e os textos perderam uma qualidade importante: eles não eram mais interessantes porque diziam sobre eu me colocando à distância dos meus assuntos, e isso era chato, quase moralista. 

Claro que essa mudança teve a ver com outras. Eu me formei, me mudei, comecei a trabalhar. Quando comecei a fazer o mestrado, a escrita se impôs como algo diferente daquilo, porque acadêmico. É um formato de escrita que muitos chamam de chato. Eu digo que pode ser, não precisa ser. Isso depende de o que as pessoas acreditam ser a função da escrita.

Quando o Fédida diz que a escrita é uma zona erógena, eu entendia, anos atrás, que isso dizia respeito ao escritor. Hoje, ao reler esse trecho, penso um pouco diferente: acho que diz mais respeito ao que a escrita suscita naquele a quem ela se dirige. 

Sei que não é muito, mas faz sete anos que sou professora. Foram muitos bons encontros. Outros nem tanto. Sobre o que diferencia esses encontros como bons ou ruins, pensei algumas coisas.

Pensei que tenho sérias restrições a quem se leva a sério demais. Peito estufado, recitando o currículo, como se fosse grandes coisas. Você ganhou um prêmio Nobel por ter feito mestrado e doutorado? Acho que não. Então, segue em frente. Tem outros troféu. 

Lembro de um dia que entrei em uma sala de aula nova e comecei dizendo meu nome, passando meu e-mail e partindo pra aula. Uma aluna então me perguntou: "Onde você se formou, professora?". E aí eu lembrei que eu poderia ter contado isso quando me apresentei. Não me pareceu importante (depois que a gente se forma, a primeira coisa que aprende é que, no mercado de trabalho, onde você se formou não importa, na maioria dos casos).

E aí o que tem isso? O que tem as pessoas se levarem a sério demais? 

É que elas não se escutam/questionam muito. Como elas se sentem autorizadas por um saber, elas dificilmente vão reconhecer suas incoerências, ou seja, se perceber patéticas. Usam a fala e a escrita como se estivessem se masturbando e, quando elas terminam, de escrever ou de falar, suponho que sintam um alívio parecido com aquele do menino de 12 anos quando vê o quanto produziu de porra. Não sei se o equivalente à porra seria o silêncio ou choque que essas falas provocam. Talvez seja o aplauso, o tapinha no ombro, a não compreensão que aparece em formato de "esse cara deve saber das coisas, olha como é seguro".

Uma das coisas que mais me incomoda na Universidade é a quantidade de gente que goza em público. O que eu penso é que isso é tão sintomático, que seria menos constrangedor se elas ficassem peladas e batessem uma ali mesmo. Quem sabe assim, elas veriam que o produto desse ato, em todos os casos, é o mesmo, ou seja: só produz frutos se encontra algo com que fecundar. Não serve pra nada depois que se puxa a descarga.

Um comentário:

  1. Que surpresa ler essa frase aqui de novo. Lembro dela quando você iniciou seu primeiro blog. Acredita?
    É inspirador para mim, ver que você continua escrevendo com sensibilidade.
    Que bom que os anos passam, nos fazem bem e nos permitem dizer coisas como: eu sou a leitora de Maringá hahahahahaha

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